Brasil deve mudar vacinação por causa da variante Delta?

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Assunto não tem consenso entre especialistas, mas sabe-se que esta cepa é a que mais escapa da proteção com uma única dose

Fernando Mellis, do R7 – Com cerca de 67 milhões de brasileiros acima de 18 anos sem nenhuma dose de vacina contra a covid-19 até agora e outros 57,2 milhões aguardando a segunda dose, um eventual avanço da variante Delta do coronavírus no Brasil é objeto de preocupação para autoridades e especialistas.
Isto ocorre porque sabe-se que a cepa, identificada inicialmente na Índia, é a que mais escapa da vacinação parcial, afirma o pesquisador do Laboratório de Virologia, do IMT-FMUSP (Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) José Eduardo Levi.
“A Delta não é a variante que mais escapa à vacina, mas é a variante que mais escapa à vacinação parcial. Para quem tem vacinação completa, o escape por Delta é mínimo quando comparado com as outras variantes de preocupação, as VOCs.”
Atualmente, o país tem 23% das pessoas maiores de 18 anos completamente vacinadas. Em relação à população total, são 17%.
No Rio de Janeiro, estado que mais detectou casos da variante Delta, três dos quatro mortos ainda não tinham completado a imunização.
Na semana passada, o diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde) afirmou que a variante Delta, com seu alto poder de transmissão, deve se tornar dominante em todo o mundo.

Delta é uma ameaça ao Brasil?

Embora o monitoramento genômico das variantes do SARS-CoV-2 em circulação no Brasil precise ser aperfeiçoado, estados já detectaram ao menos 135 casos da cepa indiana, segundo o Ministério da Saúde.
O virologista ressalta que o Brasil tem 98% dos novos casos confirmados de covid-19 causados pela variante Gama, identificada no começo do ano em Manaus (AM). Na avaliação dele, esta é a nossa ameaça real neste momento.
“E eu acho meio imprevisível [afirmar] que a Delta vai se sobrepor à Gama. Isso ninguém tem elementos para falar. […] Esse temor da Delta [aqui no Brasil], de uma certa forma não é científico, vamos dizer assim. É uma percepção do que está acontecendo na Índia, por exemplo, uma associação livre entre o caos que aconteceu na Índia e a variante Delta e o que a gente está vendo acontecer em países que têm uma situação diferente da nossa agora.”
Países como Estados Unidos e Inglaterra estão enfrentando novos picos de infecções pela variante Delta.
Mas no Reino Unido, por exemplo, mais da metade da população total está com o esquema vacinal completo. Nos EUA, são 48,8% da população completamente imunizados.
A diretora do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos, Rochelle Walensky, informou no começo deste mês que estudos preliminares indicam que 99,5% das mortes recentes por covid-19 no país ocorreram entre não vacinados.
Levi explica ainda que levaria alguns meses para a variante Delta se espalhar no Brasil.
“Em geral, essas VOCs [variantes de preocupação, na sigla em inglês] começam pouquinho e em mais ou menos de dois a três meses elas dominam o cenário. […] O Rio de Janeiro já publicou ontem um crescimento da Delta lá no estado até preocupante. Temos que monitorar. Mas, com certeza, a vacinação não vai ser capaz de parar a expansão da Delta, porque a gente ainda vai ter nos próximos dois, três meses muita gente não vacinada e com uma dose apenas.”

Alterações no esquema de vacinação

Mas se for só uma questão de tempo até que esta variante avance pelo Brasil, o que o Ministério da Saúde deve fazer em relação à campanha de vacinação?
Este é um tema que divide opiniões de especialistas. Em um cenário ainda com número limitado de vacinas, antecipar a segunda dose dos imunizantes da AstraZeneca e da Pfizer (hoje aplicados com intervalo de 12 semanas), é apontado como uma alternativa para proteger completamente as pessoas contra a variante Delta.
Mas isso implicaria obrigatoriamente na não imunização com a primeira dose de um número significativo de indivíduos em determinado intervalo de tempo. Sem nenhuma vacina, estas pessoas estariam sujeitas não só às complicações da variante Delta, mas também da variante Gama.
O infectologista pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Julio Croda participou de um estudo no Brasil que mostra que são necessárias as duas doses da AstraZeneca ou da CoronaVac “para a proteção adequada contra a [variante] Gama”.
Estudos realizados no Reino Unido apontam também para a necessidade de duas doses da AstraZeneca ou Pfizer para garantir imunidade contra a variante Delta.
O governo britânico, afirma Croda, fez uma recomendação que poderia ser adotada no Brasil.
“Antecipando a segunda dose apenas para as pessoas acima dos 50 anos, que são as que apresentam o risco maior de hospitalização e óbito. Sabemos que o espaçamento entre doses gera mais reposta imune e produz uma resposta imune mais adequada com o período de 12 semanas. Mas, precisamos pesar o risco x benefício. O risco de esperar sem proteção adequada supera o benefício de tomar uma dose antecipada quatro semanas? Não tem uma resposta para isso, mas o que o Reino Unido fez e é uma solução intermediária.”
Para o virologista do IMT-FMUSP, é preciso levar em consideração que o Brasil ainda não tem uma disseminação significativa da variante Delta. Mas se isto ocorrer, certamente pessoas que não tiveram oportunidade de se vacinar ainda serão as principais vítimas.
“Diferente de outros países, onde as pessoas estão se infectando pela Delta porque não querem se vacinar, no Brasil, a Delta vai pegar gente que não foi vacinada porque não deu tempo”, afirma, ao defender uma redução do intervalo das vacinas da Pfizer e AstraZeneca para oito semanas.

Dose de reforço

Uma possibilidade já discutida em países onde a cobertura vacinal está mais elevada é a de aplicação de doses de reforço na tentativa de garantir mais imunidade contra as variantes do vírus.
Pfizer e AstraZeneca anunciaram na semana passada estudos com uma terceira dose em indivíduos que já estão vacinados há pelo menos seis meses. O resultados ainda devem demorar algum tempo para serem divulgados.
O Ministério da Saúde não trabalha com a hipótese de doses adicionais para pessoas que já completaram o esquema vacinal.
Mesmo sem respaldo do PNI (Programa Nacional de Imunizações), o estado de São Paulo anunciou um novo ciclo de vacinação contra covid-19 a partir de 17 de janeiro de 2022, quando a campanha atual completa um ano.

*Colaboração de Carla Canteras, do R7