Por que a arroba bateu R$ 300 e como isso impacta o brasileiro?

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Entrada da China como forte comprador da carne e a oferta restrita ao mercado interno encarecem preço final ao consumidor.

Pietro Otsuka, do R7 – Nesta semana, a arroba bateu recorde e atingiu a casa dos R$ 300, sendo cotada na terça (09) a R$ 301,50. Trata-se do maior valor para o indicador desde o início da série histórica do Cepea (Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação), iniciada em 1994, há 27 anos.
A arroba é uma medida de peso, tradicionalmente usada no Brasil, e equivale a 15kg do peso morto do animal e 30kg do peso vivo. Ou seja, essa uma arroba hoje tem o valor de R$ 300, mas já vem aumentando ao longo dos anos e opera acima dos R$ 200 desde maio do ano passado.
Um boi gordo — pronto para o abate — tem cerca de 500kg, logo, em média, o valor desse animal gira em torno de R$ 4.500. É o que explica Thiago Bernardino, professor na Unesp (Universidade Estadual Paulista) e pesquisador da Cepea/USP. O aumento no preço do arroba, segundo Bernardino, se explica por alguns fatores, mas principalmente pela oferta restrita de gado no mercado brasileiro, somada a entrada da China como grande comprador da carne do Brasil.
A falta de gado hoje no mercado brasileiro se dá por uma série de movimentos e consequências do setor ao longo dos últimos sete anos. Em 2013 e 2014, devido a falta de chuvas, que resultaram numa oferta menor de pastagem, o gado não ganhou o peso necessário, e houve uma redução na oferta do boi gordo para abate.
“Isso refletiu em 2015, com os preços das carnes de boi em alta, batendo recorde, por conta da oferta restrita”, explica Bernardino.
“Mas aí entramos em outro cenário, pensando em demanda. Com impeachment, crise etc., o pecuarista, que quis aumentar a produção porque os preços batiam recorde em 2015, em 2016 e 2017, quando essa carne começa a aparecer, os preços estavam em baixa, porque a gente não tinha demanda, a gente não tinha uma China comprando muita carne, e aí o preço cai porque ao mesmo tempo havia uma oferta muito grande de gado”, relembra o pesquisador.
Em 2018 e 2019, com os preços em queda, Bernardino revela que o produtor no campo, com muito gado no campo, passou a abater fêmeas, o que resultou em uma oferta menor de gado nos anos seguinte. “É o que a gente está vendo agora, 2020 e 2021 é um reflexo do maior abate de animais em 2018 e 2019, pelo lado da oferta”, pontua.
“Soma-se a isso uma demanda muito forte da China. China e Hong Kong foram responsáveis por quase 60% de toda carne exportada pelo Brasil. Só a China comprou algo em torno de 43%, é o maior comprador disparado”, explica Bernardino. “Esses dois fatores, mas principalmente a oferta restrita no campo, fizeram com que o preço das carnes atingisse recorde e se mantenha firme nesses primeiros meses”.
Ótimo para o setor, ruim para o bolso do brasileiro
André Braz, economista do IBRE (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV (Fundação Getúlio Vargas), afirma que, com o alto volume de exportações para a China, o setor agropecuário está “de vento em polpa”.
“A China, comprando muito, está garantindo grandes recursos para o setor agropecuário, que está ganhando em dólar, está conseguindo enfrentar o aumento de custos, então é um setor que está de vento em polpa. É bom para a balança comercial, porque a gente vende cada vez mais, a competitividade volta a aumentar, mas em compensação isso compromete os preços, a inflação”, afirma Braz.
Com o número elevado de exportações para a China, para fora do Brasil, falta carne no mercado brasileiro e o preço sobe. “Então o setor acaba bem, porque encontra essa demanda em outros países, mas aqui internamente a carne continua desafiando a inflação”, explica.
Mas como o preço da arroba interfere no preço dos supermercados? Segundo Bernardino, a carne é a “matéria prima” do frigorífico, e com a matéria prima cara no campo, o aumento no custo terá que ser repassado na venda para os supermercados, que encarece o preço nas prateleiras para o consumidor final.
Inflação deve se manter firme em 2021
Thiago Bernardino afirma que a tendência para o restante do ano é que a alta de preços nas carnes se mantenha. “Se a gente olhar o mercado futuro do boi gordo, que é negociado na B3, na Bolsa, em outubro e novembro deste ano, o patamar é de R$ 292 a arroba. Então a tendência é que se mantenha essa inflação, porque o mercado futuro reflete uma expectativa do presente”, conta o pesquisador do Cepea/USP.
“Tudo isso interfere no comportamento de preços, mas olhando pelo lado de oferta e o apetite chinês no começo do ano, a gente acredita que a inflação vai se manter firme ao longo de 2021”, aponta Bernardino.
“Pelo lado da demanda, com o câmbio a R$ 5,30, R$ 5,50, a nossa carne fica muito barata em relação a outros países do mundo. O que pode contrapor pelo lado de pressionar os preços para bauxo é a demanda interna. Mas, sem o auxílio emergencial, aumento do desemprego e salário mínimo abaixo da inflação do ano passado, tudo isso encarece a carne em termos de restrição da cesta de compra do consumidor”