Por Margareth Dalcolmo – Ao cabo de mais de um ano, os dados demonstram que a Covid-19 já é a terceira causa de morte no mundo, superando doenças cardiovasculares, o câncer e outras endêmicas. No Brasil, o número de mortes supera o de nascimentos em algumas regiões em 2021. O colapso do sistema hospitalar se materializou nesta segunda onda, com a falta de oxigênio, até a falta de kits de intubação, a exigir o uso de alternativas por parte dos profissionais, nem sempre as mais seguras, mas as possíveis.
Percutem entre nós, em alguns momentos como coisa antiga, mas os usamos muitas vezes, termos como “achatar a curva”, “manter o distanciamento social”, “usar máscaras”, “lavar as mãos”, “usar álcool em gel”, “cancelar festas”, “evitar aglomerações”, “trabalho remoto”, “reduzir o RT da doença” (referindo-nos à taxa de transmissão). Hoje, ainda os repetimos, numa tautologia quase cansada, diante da velha negação da magnitude do que marca as nossas vidas, indelevelmente. Esses termos, como normas de comportamento pessoal e coletivo, tão bem incorporados e sucedidos em sociedades mais igualitárias e com nível de educação maior, se revelaram indicadores de mediação, de sucesso e de insucesso em diferentes realidades. E nesses quesitos, para nossa frustração como profissionais e como comunicadores de informação científica, a performance brasileira é constrangedora em diversos aspectos.
Se por um lado fomos capazes de nos fazer reconhecer como produtores de conhecimento científico, tecnologia, e até de inovação, o fomos também no de estabelecer cooperação interinstitucional aqui e com outros países, e desenvolver projetos de vacinas, e com isso ganhar resiliência para superar os longos meses fora do ritmo das atividades normais, como ocorreu em diversas categorias.
Entre tantos avanços e retrocessos, o conhecimento avança em sua dinâmica por vezes revisionista. Por exemplo, ficou claro de há muito que o “fique em casa” assumido como recomendação no início da pandemia, por muitas instituições, era um equívoco, e que técnicas de assistência como telemedicina poderiam ter sido otimizadas mais precocemente. Outro fato recentemente elucidado, após mais de um ano de disseminação pandêmica, por estudos bem conduzidos e uma combinação de fatores demonstrados, é a comprovada transmissão do vírus por aerossol, como ocorre em toda virose respiratória. Desde o achado em dutos e filtros de hospitais, amostras virais viáveis detectadas no ar, entre outras observações.
A esses achados se soma o componente ambiental, determinante para a transmissão, corroborando a necessidade de proteção individual e coletiva. Mais uma vez: “use máscaras” e “evite ambientes fechados” retroalimentam a nossa retórica cansada, mas atual.
O realismo compulsório do momento não exclui um imaginário singular, e esse tem sido a fonte fértil de produção no Brasil, a superar as agruras da iniquidade social e educacional. A tragédia humanitária em que vivemos apura o olhar ao outro, onde nos colocamos, cientistas, escritores, artistas, lideranças comunitárias, como se pudéssemos, irmanados, recompor a crônica desse cotidiano, numa litania da qual não abdicaremos, porque ajuda a salvar vidas.